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26 de junho de 2015

Malmequer

Tenho tentado dizer-to... 

Procurei no meu ser as palavras certas para te confessar o que me vai no peito, mas não me parece que tais palavras possam existir neste mundo. 

Questiono-me até se tu serás daqui, ou de um outro mundo em que a perfeita imperfeição seja impreterível ao nascer.


Quando nos cruzámos pela primeira vez, não te vi. Certamente estaria distraído, como cabeça de vento que sou. Mas quando te vi, quis conhecer-te. Queria saber quem era aquela menina mulher com o vestido azul estampado de margaridas brancas e um malmequer de cor igual a adornar os longos e dourados caracóis. Prendias a pequena flor no gancho preto que usavas para te segurar o cabelo longe do rosto. O teu nome eu desconheço, mas sei-te de cor os olhos tom de mel.

Acenas às crianças com a alegria de quem traz a felicidade pura daquela idade dentro de si. Por quem passas, ofereces sempre um sorriso profundo e sabes o nome de todos os reis e rainhas que pelos bancos se vão sentando. Chamas-lhes assim porque todas as crianças são príncipes e princesas para ti. E pergunto-me de novo se fazes realmente parte deste mundo.

A tua leveza de ser contagia os transeuntes e a natureza parece abraçar-te como se parte dela fizesses. O vento roda à volta do teu vestido, ondulando o tecido estampado, mas os teus cachos de ouro mantêm-se imaculadamente penteados. O sol ilumina-te por entre os ramos das árvores que cantam com o vento um hino à tua existência. E questiono-me outra vez se tamanha graça é possível de nascer neste planeta.

Contrariamente a uma espécie que vai morrendo a cada dia que passa, tu és a vida que passeia pelo parque! As flores ganham a cor que o tempo lhes roubou, o vento esquece a sua fúria e acaricia quem por ele passa, o sol aquece os dias de céu azul, e as pessoas... Bem, as pessoas simplesmente vivem um dia melhor quando têm o prazer de ouvir o teu doce "bom dia, meu rei!" ou o sincero "como está, minha rainha?".

Descalçaste as sabrinas brancas e caminhaste sozinha pela relva até ao lago. Molhavas os pés, brincando com um outro malmequer que trazias na mão. Olhaste pesadamente para os dedos e soube-te perdida em pensamentos que não transpareces na tua alegria de viver. Quando uma mecha de cabelo te caiu para o rosto, percebi que choravas. Atiraste a flor para a água e a mesma flutuou para longe. Seguiste-a com o olhar triste até não a poderes ver mais. Limpaste o rosto e vestiste de novo a luz no teu ser.

Agora que penso nisso, nunca te conheci um lado triste; como aquele ar pesado que todos trazemos nos ombros e que tu tão amavelmente nos roubas. Mas ao ver-te chorar, soube-te humana. Porque também choras, mas não te permites afectar a beleza do mundo com a tua tristeza. És deste mundo, apenas optaste sabiamente pela sua beleza em prol da sua falta de vida.

És perfeitamente imperfeita e, com isso, tornas o meu mundo perfeito. E todos os dias te vejo passear no parque; todos os dias te quero conhecer. E todas as noites volto com um malmequer para casa.



2 comentários:

  1. A imperfeição é a coisa mais perfeita que pode existir. Adorei o texto. Lindo!

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    1. Obrigada Diana! Espero conseguir continuar a cativar a sua leitura. Beijinhos

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