Translate

15 de junho de 2015

E se eu cair?

Tinha jurado a mim mesma que não cairia de amores por mais ninguém. 

Até porque são poucas as coisas que caem e não se partem. 

E mesmo que permaneçam inteiras, as mossas são visíveis até ao fim dos tempos.


Apaixonar-me era algo que já não estava nos meus planos desde que a bomba no meu peito havia sido detonada por um imbecil, estilhaçando toda a esperança que tinha de viver um amor como o dos contos de fadas. Creio que tenha sido a ironia da vida a querer ensinar-me algo como "Deixaste cair? Agora partiu-se!". No entanto, isso não me proibia de gozar os melhores pecados da vida com um bom pedaço de homem de seu nome Gabriel. 

O Gabriel é aquele tipo de homem que não te dá flores, nem te leva a jantar; ele apenas aparece sem hora marcada à tua porta com uma garrafa de vinho caro numa mão e uma venda de seda na outra. O Gabriel não te pergunta como correu o dia ou se estás cansada; ele rasga a tua roupa ainda antes de conseguires descalçar os teus saltos altos. O Gabriel não te telefona a perguntar se precisas de espairecer a cabeça; ele vai buscar-te a casa ou onde quer que estejas, adivinhando que precisas de sexo. E mesmo que não precises, ele sabe aguçar-te a vontade. 

Foram dias inteiros dessas vontades, noites fragmentadas entre a fome e a saciedade. Sem que déssemos por isso, os rituais que partilhávamos foram sendo cada vez mais necessários, e estar longe do Gabriel começava a ser um pensamento inconcebível. No final da tarde, contrariando o meu instinto, fui comprar uma garrafa de vinho caro sem nada ter vestido por baixo do casaco comprido.

Já no prédio dele, as minhas pernas acumulavam tensão a subir as escadas, e os sapatos de salto alto pretos que o Gabriel tanto gostava ficaram pelo caminho. Bati duas vezes à porta, e depois mais uma. Ele não demorou a receber-me, abrindo a porta em tronco nu e com as calças de ganga com dois botões desapertados. O cabelo loiro desgrenhado emoldurava o seu rosto provocador e os olhos verdes despiram-me imediatamente.

- Por aqui querida? - a leve trinca no lábio deu àquela questão um erotismo imensurável. 

- Quero-te. Estava em casa e percebi o quanto te preciso, Gabriel. E preciso de ti agor... - não consegui terminar a frase. 

O boca dele envolvia a minha e aquele beijo tirou-me o fôlego como se a nossa vida dependesse daquela troca de desejos. O casaco embrulhou-se no chão e a garrafa de vinho rolou na alcatifa lilás da sala. Agarrou ao colo o meu corpo nu e gemia sempre que os meus cabelos lhe acariciavam os ombros. Deitou-me na cama com cuidado, e começou a pendurar-me no baloiço de couro. A cada amarra atada, presenteava-me com um beijo. Cada laço mais forte que o outro, cada beijo mais ardente que o anterior.

Enquanto deixava para trás as minhas juras, o medo segredou-me ao ouvido, e forçou-me a confissão:
- E se eu cair?

A pergunta era já desnecessária pois o meu corpo sucumbia à luxúria daquele momento. Aquele limbo perturbava-me e a única coisa que me mantinha lúcida era a voz dele a dizer o meu nome. 

Senti o seu toque sedutor e curioso, e com os olhos inebriados de loucura, segurou-me nos braços e envolveu-se neles, como se eu fosse a sua pele. Trincou-me o lóbulo da orelha, e com a sua voz rouca de desejo conseguiu suspirar:

- Oh, mas minha querida... E se tu voares? 

Em tom de promessa, agarrou-me com mais força ainda, elevando o meu corpo e obrigando a minha mente a planar no vazio. Os meus olhos nada viam, deixei de ouvir a música que vinha do rádio da sala, a garganta estava seca e palavra alguma me saía dos lábios. O único sentido que ele não me roubou foi o toque. Eu conseguia senti-lo, ali comigo. 

E, naquele baloiço, permiti-me cair. Sem medo.
E, naquele fim de tarde, ele mostrou-me que eu nunca mais cairia do seu abraço.
E, naquele quarto, ele não deixou que eu me partisse... E nunca mais me deixou partir.



Sem comentários:

Enviar um comentário